terça-feira, setembro 26, 2017

Lindner e Rutte: um rumo para a Europa

Em março passado, Lindner congratulava Rutte pela vitória do
VVD nas eleições gerais neerlandesas.
Na Alemanha, os liberais (FDP) voltam ao Bundestag, liderados por Christian Lindner; tal como o líder liberal Mark Rutte (VVD) nos Países Baixos, está contra mais "aprofundamentos" na integração europeia e defende uma política de imigração com critério mais apertado.

Rutte já vinha defendendo esta posição no seio do ALDE, contrastando com a atitude do cabeça de bancada liberal no Parlamento Europeu, Guy Verhofstadt, por exemplo mais recetivo ao recente discurso de centralismo voluntarista e acéfalo do presidente da Comissão Europeia.

Algo está a mudar no liberalismo partidário europeu e tanto Rutte como Lindner são os homens a ter em conta. Seria bom que servissem de inspiração aos LibDems britânicos, ainda necessitados de um bom rumo estratégico.

quarta-feira, setembro 20, 2017

«Inflação» em Portugal de 1970 até ao euro: moral da história


TAXAS DE INFLAÇÃO* EM PORTUGAL


1970 - 4.5 %
1980 - 16.6 %
1990 - 13.4 %
2000 - 2.9 %
1971 - 7.5 %
1981 - 20.0%
1991 - 11.4 %
2001 - 4.4 %
1972 - 9.0 %
1982 - 22.4 %
1992 - 8.9 %
2002 - 3.6 %
1973 - 10.4 %
1983 - 25.5 %
1993 - 6.5 %
2003 - 3.3 %
1974 - 27.8 %
1984 - 29.3 %
1994 - 5.2 %
2004 - 2.4 %
1975 - 20.7 %
1985 - 19.3 %
1995 - 4.1 %
2005 - 2.3 %
1976 - 18.3 %
1986 - 11.7 %
1996 - 3.1 %
2006 - 3.1 %
1977 - 27.3 %
1987 - 9.4 %
1997 - 2.2 %
2007 - 2.5 %
1978 - 22.1 %
1988 - 9.7 %
1998 - 2.8 %
2008 - 2.6 %
1979 - 24.2 %
1989 - 12.6 %
1999 - 2.3 %
2009 - - 0.8 %

Fonte: www.bportugal.pt (2002); www.gesbanha.pt/informacoes/cidadao/tx inflacao.htm (1970-2001). Os valores a partir de 2003 foram posteriormente incluídos (Instituto Nacional de Estatística e Banco de Portugal). * Trata-se, mais corretamente, do IPC (índice de preços ao consumidor).


Este quadro mostra perfeitamente por que razão o governo de Marcelo Caetano se fragilizou ao ponto de cair “de podre” em 1974: a inflação instalou-se e mais que duplicou entre 1970 e 1973, ainda antes do “choque petrolífero”, numa dinâmica que tem toda a aparência de motivação estritamente interna (a política “social” então encetada certamente que teve tudo a ver com isto, sacrificando o anterior rigor orçamental a “investimentos públicos” também convenientes do ponto de vista político para o então presidente do Conselho de Ministros).

A este propósito – e por contraste –, deve dizer-se que a duração do governo de Salazar deveria ser mais relacionada pelos historiadores com a sua política monetária e financeira: o rigor orçamental e o “escudo forte”, que controlaram a inflação e as derrapagens das contas públicas, tornaram o seu governo politicamente sólido no médio e no longo prazo porque permitiram um crescimento real do rendimento dos particulares num cenário em que a moeda perdia muito pouco do seu poder aquisitivo, bastando um ligeiro crescimento anual do P.I.B. para esse efeito de enriquecimento deslizante descomprimir as tensões (e a sua sempre possível “politização”) decorrentes das expectativas das pessoas.

Ora, as pressões no sentido de abandonar o enquadramento “macro-económico” criado por Salazar sempre se tinham manifestado desde 1945 (as políticas “industrialistas” à Daniel Barbosa era isso que pediam) e os conselhos que povoam o célebre livro do Prof. Valentim Xavier Pintado (Structure and Growth of the Portuguese Economy, Genebra: E.F.T.A., 1964; reed. Lisboa: I.C.S., 2002) – e que formaram a geração “reformista” que chegou ao poder na burocracia estatal em meados da década de 60 – iam no mesmo sentido.

É sintomático que, no seu Pró-Memória de 1958, o bispo do Porto escrevesse a dado passo: «Posso errar e quase admito que deva errar, porque estou, neste ponto, fora da minha competência; mas não posso furtar-me a pensar que a fonte material dos males nacionais se pode encontrar na rigidez da escala de valores adotada e mantida. Uma coisa, que era necessária e foi maravilhosa, até politicamente, no princípio, na era do resgate, pesou tremendamente na era que V. Exa chamou, se bem me recordo, do engrandecimento. Um financismo à outrance (operando aliás pela compressão dos preços, contra o aumento da circulação fiduciária), invertido num economismo despótico, atuando dentro duma socialidade cujos erros venho procurando apontar, não podia deixar de resultar e resultou efetivamente (com exceção do período inicial dos abonos de família) em benefício dos grandes contra os pequenos e finalmente na opressão dos pobres.» Um autêntico keynesianismo com água benta!.

Caetano chegou assim à chefia do governo num clima já favorável da “opinião técnica” vigente a maiores gastos com programas keynesianos de distribuição da riqueza e de demand management; daí que, em demanda de uma legitimação da sua liderança entre a nova geração de quadros e profissionais, Caetano tenha optado por aquilo que ele próprio denominou “Estado social”, com o seu modelo universal de educação, saúde e pensões de reforma. Por isso é um erro atribuir ao crescimento dos gastos militares com a guerra no ultramar o peso decisivo nesta pressão despesista que levou o governo de Caetano a recorrer à depreciação do escudo para financiar as despesas públicas: segundo os dados de Eugénia Mata e Nuno Valério (História Económica de Portugal: Uma Perspectiva Global, Lisboa: Editorial Presença, 1994, p. 271), as despesas com a defesa representaram 19.1% das despesas totais em 1970 e 14.2% em 1973.

Em 1974 estava já plenamente instalada a perda crescente de poder aquisitivo do escudo que deverá ter criado uma sensação difusa mas fundamentada na sociedade de degradação do poder de compra, não admirando que o golpe de Estado militar tenha colhido apoio entre o funcionalismo público militar e civil a partir de uma motivação claramente salarial (ver as reivindicações iniciais do M.F.A., que só depois se “politiza” para poder levar a cabo uma mudança política de fundo que alterasse a situação “profissional” dos oficiais das forças armadas; entre estes, mesmo que inconscientemente, a perda de poder de compra deverá ter introduzido crescentes dúvidas em relação à validade dos sacrifícios pessoais e familiares envolvidos no esforço de guerra e cada vez menos compensados financeiramente).

A influência do marxismo nos círculos oposicionistas desde os anos 40 explica a sua adoção – primeiro funcional, depois explícita – pelos atores militares do derrube da II República na Primavera de 1974. Essa ideologia, que, no poder, sempre se tornou num “socialismo de Estado”, legitimou um aprofundamento de duas das principais tendências do marcelismo (alargamento do alcance e das despesas com o Welfare State) com repercussões claras na política financeira e monetária: monetarização da despesa pública e depreciação da moeda. Sem surpresas, a inflação quase triplicou em 1974, devendo-se a desaceleração de 1975 e 1976 provavelmente a ajudas externas e ao fim dos encargos com a guerra e o ultramar (segundo Mata e Valério, Op. Cit., p. 265, mesmo que a valores correntes, as receitas continuaram a crescer durante o período revolucionário, pelo que poderiam transferir-se para os gastos “sociais” e suportar, como suportaram, um continuado aumento geral da despesa: esta era de 47.6 milhões de contos em 1973 e de 122.6 milhões de contos em 1976).

A instabilidade política que dominou os primeiros anos da III República não incentivou os governos da época nem a um maior rigor orçamental nem a uma estabilização do escudo, pelo que, de 1976 a 1979, houve uma média de inflação de 22.9% ao ano; só o governo de maioria de Sá Carneiro conseguiu que, em 1980, uma política monetária mais restritiva baixasse a inflação para 16.6%, o que se veio a revelar um fenómeno passageiro, já que, entre 1981 e 1984, no seguimento da crise e instabilidade – primeiro latente, depois patente – instalada no seguimento da morte do primeiro-ministro, a inflação quase duplica novamente.

A ajuda financeira do F.M.I., possibilitada pela breve coligação do “bloco central”, permitiu que, a partir de 1985, se conseguisse voltar a baixar a inflação (cai 10 p.p.), tendência que se consolida nos anos seguintes com a estabilidade política permitida pela liderança de Cavaco Silva – só esta consegue um mandato popular para criar uma situação macro-económica estabilizada que neutraliza a influência dos elementos perturbadores da ordem constitucional (comunismo e eanismo) e encontra margem de manobra para, de modo continuado e sustentado, fazer a inflação regressar ao nível de 1970.

É só então que o atual regime verdadeiramente se consolida e fica imune a uma instabilidade crónica do poder executivo que o marcara desde o início; neste contexto, tanto os fundos comunitários como a aceitação da disciplina monetária e financeira dos tratados da União Europeia aliviaram as pressões internas de monetarização das despesas e funcionaram como um travão dos efeitos negativos de descontrolos orçamentais conjunturais como o que ocorreu durante os governos de António Guterres (1995-2002), mostrando a evolução da taxa de inflação em 2002 que o maior rigor orçamental posto em prática pelo novo governo liderado por Durão Barroso já está a surtir um efeito positivo.

Outra questão importante seria ver a evolução do endividamento público, nomeadamente no período da relativa disciplina monetária imposta pela participação na União Europeia. [Para alguns dados sobre esse assunto, ver aqui.]

[Nota de Janeiro de 2004]