quinta-feira, setembro 15, 2016

(M)EDITAR - II

Apesar de condicionados por currículos oficiais deficientes, os manuais escolares de História podem ser instrumentos eficazes para transmitir aos alunos uma visão do passado que os ajude a formar uma cultura histórica pessoal e a desenvolver aptidões críticas sobre a realidade do passado e do presente.


Vou correr o risco de apresentar como exemplos de boas práticas livros por mim editados (ou de que fui também coautor). Mas esta opção de risco tem a vantagem de poder exemplificar os meus pontos de vista com “obra minha”, de que tenho a obrigação de conhecer os fundamentos pedagógicos e didáticos e assumir a responsabilidade dos resultados, aqui mostrados.

No caso desta “página dupla”, podem observar-se os aspetos interdependentes que julgo necessários a típicas páginas de estudo num manual do Ensino Básico (clicar na imagem para abrir PDF, que convém visualizar em facing – as duas páginas lado a lado):


·  As duas páginas (ou “página dupla”) que o aluno tem abertas em qualquer parte do manual devem corresponder a uma pequena unidade de saber (com grande coerência interna) e, preferencialmente, a um tempo letivo (ou “aula”). Isto implica não ter muito texto informativo, demasiados documentos ou atividades em excesso para o tempo disponível (atualmente 45 a 50 minutos).

·  O texto informativo é o fio condutor desta pequena unidade de saber. Neste caso, é previamente enquadrado por um título e por uma localização espácio-temporal (ver cabeçalho da 1.ª página). Este texto deve ser lido e interpretado em sala de aula, sob orientação do professor. De contrário, o aluno fica abandonado a si mesmo, não vai utilizar todo o potencial informativo do texto e vão acentuar-se diferenças cognitivas e de aprendizagem entre os alunos (proporcionais às diferenças de hábitos e condições de estudo que já trazem consigo). Corresponde à secção de página “Aprendo…”.

·  O texto informativo deve estar resumido em esquema gráfico (ver secção “Sintetizo…” no fim da 1.ª página). Este resumo gráfico permite apreender o essencial do texto informativo num golpe de vista. Pode ser utilizado pelo aluno antes ou depois da leitura do texto e serve sobretudo para explicitar as relações fundamentais entre os principais dados do texto e entre estes e os conceitos.

·  O texto informativo está assente em conceitos – estes estão graficamente diferenciados e definidos na página (neste caso, incluídos no resumo gráfico da secção “Aprendo…”). O conceito num texto informativo não é meramente uma palavra mais difícil que necessita ser descodificada ao aluno. O conceito é uma palavra-chave, um marco que sintetiza e agrega conhecimento. Por essa razão, se bem entendido, o conceito vai funcionar na mente do aluno como um instrumento de relacionação e agregação instantânea de elementos informativos diferentes e permitir-lhe progredir na aprendizagem. Isto porque, uma vez dominado na sua significação, vai poder ser aplicado pelo aluno a novas situações, não previstas no manual (ou que apareçam noutra parte do manual). Por esta razão, qualquer conceito deve ser definido logo na sua primeira ocorrência no texto (se, por alguma razão, a definição não é conveniente nessa parte do livro ou da matéria, o seu uso deve ser aí evitado).

·  O texto informativo deve estar articulado com as fontes ou documentos escritos e iconográficos apresentados, de modo que estes sejam extensões e/ou ilustrações do texto informativo. Já foi dito antes: os documentos são subsidiários do texto informativo e não o contrário. O fio condutor da aprendizagem é o texto informativo; logo, os documentos devem ser remetidos a partir do texto informativo. A função dos documentos é ilustrar e/ou fundamentar afirmações do texto informativo. A importância da análise (observação, leitura e interpretação) dos documentos decorre desta sua função de ilustração e fundamentação do fio condutor da aprendizagem patente no texto informativo. As boas práticas na seleção e edição destes documentos terão de ficar para tema de um próximo texto.

·  As atividades de página têm de incidir tanto sobre a interpretação do texto informativo quanto sobre as fontes históricas ilustrativas. A presença destas atividades é o que distingue um manual escolar de outro tipo de livro que veicule conhecimentos. Estas atividades, antes de qualquer propósito de avaliação pura e “hierárquica” (docente/discente), servem para o aluno fazer um controlo da sua própria aprendizagem. Isto tem consequências importantíssimas no modo como as atividades de página devem ser concebidas. Elas não servem (apenas ou fundamentalmente) para aferir se o aluno “reteve conhecimentos” – expressão muito usada. Não servem sequer para aferir, numa preocupação mais próxima dos construtivistas, se eles são capazes de operacionalizar competências (skills). Elas servem, pelo contrário, para conduzir o aluno àquilo que é essencial na informação que lhe foi transmitida na “página dupla” – no texto informativo, auxiliado pelos documentos. E por “informação” não se entende aqui um conjunto de dados ou “factos”. Entende-se ligações lógicas (sequenciais ou de causa/efeito) auxiliadas por conceitos. Em boa medida, pode dizer-se que as atividades de página servem para o aluno conferir se entende plenamente o resumo da matéria que lhe é apresentada no esquema gráfico da secção “Sintetizo…”.

Nos dois textos seguintes, teremos de ver o que é um bom texto informativo e o que são atividades apropriadas.

[Seguinte]