quinta-feira, setembro 15, 2016

(M)EDITAR - I

A principal função de um docente de História na escola como hoje a conhecemos é dar ao aluno aquilo que ele (salvo raríssimas exceções) não tem nem pode ter: uma interpretação do passado. Há uma suspeita razoavelmente fundada de que os próprios docentes revelam não estar munidos dessa interpretação. Isto torna ainda mais fulcral o papel do manual escolar.


Há um aspeto a vários títulos relevante na forma como a História é hoje lecionada no chamado Ensino Básico. Uma grande parte dos docentes parece centrar (e mesmo iniciar) o estudo de qualquer matéria na leitura ou observação pelos alunos de fontes históricas (textos da época ou historiográficos, figuras ou mapas). Isto, em si mesmo, não é um problema – pelo contrário, parece evidente que é uma das coisas que um professor de História deve promover em sala de aula. O problema é que essa estratégia parece ser usada como atividade central, relegando para segundo lugar – e para o estudo do aluno em casa – o texto informativo do manual.

Veremos as implicações desta prática no uso dos documentos (escritos e iconográficos) e das atividades também apresentados no manual.

O texto informativo corresponde à interpretação do passado que é transmitida ao aluno pelo manual – e que deveria também ser transmitida pelo docente. A qualidade científica e pedagógico-didática deste texto deveria ser um dos critérios fundamentais (senão o critério fundamental) na adoção do manual da disciplina (teoricamente é, mas, na prática, percebe-se que não é).

Ora, é evidente que o contacto primário com fontes históricas (escritas ou iconográficas) não é pedagogicamente eficaz para uma criança ou um jovem que não conhece a época em estudo. Aquelas fontes são importantes como auxiliares ou ilustrações da tal interpretação do passado que compete ao docente e ao manual transmitir – mas não transmitem conhecimento. As fontes assim apresentadas são fragmentos desconexos de uma realidade desconhecida para o aluno.

Podemos especular sobre as causas desta prática letiva – um “positivismo” funcional adquirido nas faculdades e que vive da superstição numa quimérica “verdade histórica” que se exprime nos “documentos”, a adesão consciente ou inconsciente a pedagogias construtivistas, etc. Mais à frente, veremos que esta prática radica certamente numa falsa crença sobre uma alegada impreparação das crianças para lidarem com a abstração, que leva os docentes a acreditar que só a relação com um “concreto” quimérico lhes é acessível. Esta falsa crença tem efeitos devastadores no tipo de atividades (de avaliação) praticado por estes docentes e, por consequência, na descredibilização da História junto dos alunos intelectualmente mais bem preparados.

A verdade é que a generalidade dos docentes parece ter abandonado – ou nunca ter adotado – uma interpretação do passado para transmitir aos seus alunos. Tal interpretação requer uma formação científica sólida (intensa e extensa), cuja ausência ou fragilidade poderia ser contornada por um manual que a fornecesse. Mas o recurso a um manual com essa qualidade requereria, obviamente, uma autoconsciência daquela ausência ou fragilidade. E essa autoconsciência só é possível com uma humildade intelectual e profissional que não abunda.

No texto que publicarei a seguir, ilustrarei como um manual escolar pode ou deve orientar o estudo de um aluno com o objetivo de lhe transmitir eficazmente uma interpretação do passado. Os exemplos estarão obviamente condicionados pelos currículos em vigor e que têm de ser seguidos.