terça-feira, junho 23, 2015

Jónatas Machado e o igualitarismo religioso

A igualdade de direitos religiosos dos cidadãos não implica o igualitarismo jurídico das entidades coletivas religiosas.

A questão da igualdade jurídica dos agentes religiosos colectivos é muito complexa e perigosa, pois cai facilmente num igualitarismo alicerçado num geometrismo jurídico e, eventualmente, em práticas de discriminação positiva que catapultam o Estado como agente “corrector” da realidade social e histórica.

A desigualdade factual destes agentes colectivos, patente na relação institucional do Estado com cada um deles (ou em fórmulas de explicitação e regulação de relação com um ou vários sem existir com outros), não é incompatível com uma igualdade jurídica dos cidadãos alicerçada nas liberdades de autodeterminação e associação religiosas. A diferente representatividade sociológica ou histórica dos agentes colectivos religiosos, bem como o respetivo grau de integração institucional que eles tenham a nível nacional e internacional (pense-se na Igreja Católica, na Convenção Baptista Portuguesa e numa qualquer igreja local independente, por exemplo), pode justificar diferenças formais e informais de relação do Estado com eles; caso contrário, ter-se-ia de assumir que a ordem jurídica deveria fazer tábua rasa da própria configuração cultural e orgânica da realidade social, querendo sujeitá-la e moldá-la a um esquema de relações pré-concebido.

Essa relação com o Estado pode dizer respeito a aspetos simbólicos, protocolares ou à protecção da presença confessional em espaços públicos (enquanto geridos pelo Estado). É neste contexto que o exercício de igualitarismo jurídico de Jónatas Machado (O regime concordatário entre a “libertas ecclesiae” e a liberdade religiosa, Coimbra Editora, 1993) resulta inconsequente para a questão verdadeiramente central do ponto de vista da cidadania e que é a da liberdade de autodeterminação e associação do indivíduo; o autor pouco mais consegue defender do que a superioridade geométrica do modelo de que é partidário, de exclusão do regime concordatário com a Igreja Católica no nosso ordenamento jurídico, sem provar em que é que ele fere aquela questão central da cidadania ou a liberdade associativa dos agentes religiosos colectivos não abrangidos por aquele regime.

Do tratamento desigual dos agentes colectivos (no âmbito do Direito Público, a que pertence) deve, no entanto, excluir-se a prática de um tratamento desigual em termos fiscais (tanto de isenções como de benefícios), pois neste plano a desigualdade estaria a afectar a igualdade perante a lei dos cidadãos enquanto contribuintes e a beliscar um princípio fundamental do Direito Público (universalidade das regras de tratamento fiscal e proporcionalidade).

O âmbito das liberdades de autodeterminação e associação dos indivíduos é, evidentemente, o Direito Privado (civil) e só ligado ao Direito Público (constitucional) na proclamação que este fizer de direitos, liberdades e garantias (do indivíduo), assim fundando superiormente a sua materialização plena e consequente no Direito Privado. É neste âmbito que o Estado nada deverá poder fazer, nomeadamente, em termos de condicionamento da actividade dos agentes religiosos colectivos e da tendência que possam ter para incrementar o seu peso sociológico – e, portanto, a configuração religiosa da sociedade civil.