sábado, junho 15, 2013

Mendes, Fernando Ribeiro - Segurança Social: O Futuro Hipotecado (FFMS, 2011)

O modelo de Segurança Social (SS) como o temos conhecido em Portugal (repartição por taxa social única de prestação e benefícios universais generosos) foi definido/terminado pela Lei de Bases de 1984 e já o Livro Branco da Segurança Social de 1998 alertava para a necessidade de reformar o seu modelo de financiamento, o que a nova lei n.º 17/2000 (Lei de Bases) ignorou (em 1994, o Banco Mundial aconselhara a privatização parcial dos sistemas públicos de pensões, com um 1.º pilar redistributivo e 2 por capitalização, um obrigatório e outro voluntário, p. 79); o decreto-lei n.º 35/02 de 2006 e a 3.ª Lei de Bases (n.º4/2007) instituíram um novo modo de cálculo das pensões, pela via dos ajustamentos paramétricos, que permitiu prorrogar o prazo de sustentabilidade financeira sem mexer no essencial (calculava-se oficialmente, em 2007, que até 2036).

No entretanto, as despesas com a SS haviam passado de 22,7% do PIB em 2001 para 24,8% em 2007 (das quais as despesas com pensões passaram de 45,8% para 50,1%), contrastando com o peso das despesas de educação, de 5,6% para 5,3% (o que põe em causa a robustez ética do "contrato" entre gerações) [Sobre isto, acresce que, já em 2007, para os jovens inactivos eram mobilizados 9% do PIB, para os idosos inactivos 14% e para os adultos activos 8%, enquanto p.e. na Suécia as parcelas são iguais, à roda de 13%.]. Desde 2007, «a aplicação "cega" do factor de sustentabilidade veio agravar as desigualdades sociais perante a morte. Agora, cada português está mais por sua conta e risco […]. Muitos não conseguirão garantir pensões realmente adequadas às suas necessidades na velhice, dada a exiguidade dos salários e da poupança das famílias» (pp. 124-125); às pensões junta-se a projecção de despesas com doença e dependência prolongadas associadas à evolução demográfica, sendo de considerar que já em 2005 se estimava em mais de dois milhões as pessoas com incapacidade absoluta e sem autonomia para as actividades da vida quotidiana (quadro 10.5, p. 127).

O QUE O AUTOR PROPÕE PARA A REVISÃO DA ESTRUTURA ACTUAL DO BENEFÍCIO (p. 137):

A) Parcela de base: concedendo uma primeira prestação de montante uniforme, na proporção dos anos de desconto até, p.e., 1,5 vezes o valor do Indexante de Apoios Sociais (IAS, actualizado anualmente em função da inflação e do crescimento económico, substituiu o salário mínimo como nível mínimo legal - agora, €419) para carreiras completas de 40 anos de contribuições (incluindo créditos ganhos por anos dedicados ao cuidado de filhos ou dependentes), e isenta da aplicação do factor da sustentabilidade;

B) Parcela de benefício definido: uma segunda prestação que seria calculada segundo a fórmula actual, tomando como referência a parte dos rendimentos do trabalho superiores ao limite anterior e até um tecto máximo de 2,5 vezes o IAS, p.e., e sujeita ao factor de sustentabilidade;

C) Parcela de capitalização virtual: os descontos sobre parte dos rendimentos de montante superior ao limite anterior e até um tecto máximo (p.e., 12 vezes o IAS), que seriam acumulados em contas individuais aumentadas pelo rendimento "nocional" obtido pela valorização das contribuições a uma taxa convencional reflectindo o desempenho da economia, e que se converteriam em renda vitalícia à passagem à reforma.

As pensões de sobrevivência devem ser limitadas em valor absoluto e ficar sujeitas a verificação de condição de recursos do beneficiário, devendo aumentar-se as prestações orientadas para riscos de longevidade, sujeitas a estritas condições de elegibilidade dos beneficiários. «O actual subsídio de desemprego deve evoluir no sentido de maior cobertura pessoal nas idades jovens, reduzindo o prazo de garantia para a sua atribuição, de forma a cobrir mais situações de emprego precário, e, ao mesmo tempo, diminuindo o período de concessão e restringindo os motivos para recusa de emprego» (p. 138). Quanto ao debate entre financiamento por repartição ou capitalização, o A. acha-o estéril, pois o importante é abandonar «a configuração tradicional do benefício definido» (p. 139).

Quadro 11.3 - Efeitos dos modos de financiamento sobre as prestações de segurança social, no contexto do actual envelhecimento demográfico (p. 139) [bold opção preferida pelo autor]:

 
Configuração do benefício
Financiamento
Por capitalização
Por repartição
Benefício definido (taxa fixa de substituição dos rendimentos do trabalho incluídos no cálculo da prestação)
Actuarialmente equitativo.
Insustentável em contexto demográfico adverso, pois obrigaria ao agravamento incomportável das taxas contributivas.
Empobrecimento progressivo em consequência da introdução mais ou menos discricionária dos ajustamentos paramétricos para reduzir montantes.
Contribuição definida (taxa fixa de contribuição social, sendo os valores da prestação contingentes do desempenho da economia)
Actuarialmente equitativo.
Sustentável, mas sujeita ao desempenho financeiro das aplicações: enfrenta forte risco devido às oscilações dos mercados, podendo originar prestações inadequadas.
Actuarialmente equitativo.
Sustentável: capitalização virtual ajusta os benefícios à evolução da economia real, com risco financeiro mitigado e mantendo níveis razoáveis de adequação das prestações, até em conjuntura difícil.

Anexo 2 - Factores de crescimento da despesa com pensões (pp. 145-147): P é o n.º de pensionistas, N a população total, C o consumo de N e CP o consumo de P. Assim, Despesa relativa com pensões (DP) = CP/PIB. Sendo CP = (CP/P) P e PIB = (N/C) (1/N) (C/PIB), temos DP = C/PIB x P/N x (CP/P:C/N). «As variações do rácio DP ficam assim decompostas em três factores determinantes: o rácio do consumo total da população no produto, a taxa de dependência dos pensionistas e o nível de vida relativo dos pensionistas, respectivamente» (p. 146).