sexta-feira, junho 01, 2007

Luís de Magalhães (1859-1935) e o seu livro "Tradicionalismo e Constitucionalismo" (1927)

L. de Magalhães no seu escritório antes de 1910.
Luís Cipriano Coelho de Magalhães era filho de José Estêvão (de Magalhães). Membro do Partido Progressista em 1885 e da Liga Liberal em 1890, foi governador civil de Aveiro no governo de Dias Ferreira em 1892, deputado independente por Vila do Conde em 1897 e de 1899 a 1900 e ministro dos negócios estrangeiros de João Franco, de 19 de Maio de 1906 a 2 de Maio de 1907.

Foi um dos ministros da chamada "Monarquia do Norte" (1919), na sequência da qual esteve preso dois anos. Veio a estar ligado à Causa Monárquica, na qual integrou o pequeno grupo de monárquicos constitucionais que foi afastado de todas as responsabilidades, o que evidenciava o desaparecimento progressivo, naquele meio, quer do ideário liberal quer da lealdade à Carta Constitucional (ver aqui).

Depois do 28 de Maio, apoiou a ditadura como mal menor, embora tenha observado: «quer a Ditadura fazer uma República que os republicanos não querem e quer, por isso, fazê-la com os monárquicos, que não querem a República».

O seu livro Tradicionalismo e Constitucionalismo: Estudos de História e Política Nacional (Porto: Livraria Chardron de Lello & Irmão, 1927, ed. única, 299 p.) é um testemunho vivo do constitucionalismo cartista e da possibilidade real de o conduzir pelo século XX adentro; mostra ainda um monárquico genuinamente liberal, já então idoso e cheio de informações relevantes para todo o século XIX; impressiona a sua atitude equilibrada nas críticas que faz aos falsos tradicionalistas (para ele o cartismo é o verdadeiro tradicionalismo) e no distanciamento que revela dos radicais. Embora mantenha o seu liberalismo político (com uma grande predisposição democrática), Magalhães tem já claramente menos sensibilidade para o liberalismo económico e para o achar interdependente das suas ideias políticas; essa atitude, nada surpreendente num homem da sua geração, é patente nas suas opiniões favoráveis à pauta alfandegária de 1892 e à legislação cerealífera do fim do século XIX (pp. 260-261), bem como à representação corporativa que julgava dever integrar uma reforma da Câmara dos Pares (p. 280).

L. de Magalhães em 1920.
O livro tem uma 1.ª parte («A “Carta”, constituição tradicionalista», pp. 1-24) com um texto publicado na revista Portugália n.º 1 (Novembro 1925) com o intuito de forjar uma base de entendimento dos monárquicos constitucionais com os chamados tradicionalistas; a este texto respondeu Caetano Beirão nos n.º 27-28, 29 e 30 do periódico Acção Realista, a que Magalhães dá a réplica na segunda e maior parte deste livro. Já antes, Magalhães publicara artigos no Correio da Manhã (“Porque restaurámos a Carta em 1919”, pub. 27-28 Fev. 1924) em que explicava o apego à Carta da Junta Governativa do Reino em 1919; a estes artigos responderam, no periódico Serviço d’El-Rei, Alfredo Pimenta e Cerqueira de Vasconcelos, a que Magalhães respondeu na mesma publicação.

Luís de Magalhães foi a figura tutelar da chamada “Monarquia do Norte”, cuja Junta Governativa integrava, com Paiva Couceiro (presidente), Sollari Allegro, Conde de Azevedo, Visconde do Banho e Coronel Silva Ramos – ver Diário da Junta Governativa do Reino de Portugal, n.º 1 (19.01.1919) a n.º 16 (13.02.1919), Porto: J. Pereira da Silva, 1919 e Luiz de Magalhães, Perante o Tribunal e a Nação, Coimbra, 1925.

Luís de Magalhães justificou a última restauração da Carta considerando a República «puro hiato político» e «usurpação violenta», querendo evitar «estabelecer como lei básica da sociedade o arbítrio pessoal dos governantes», ou seja, ainda nas suas palavras, em 1919 era necessário «atar a corda pelas pontas quebradas».

A 2.ª parte de Tradicionalismo e Constitucionalismo (“O tradicionalismo da Carta”) divide-se nos seguintes capítulos:

I – Intróito (pp. 27-33);

II – Tradicionalismo e Liberalismo (pp. 34-48. As conclusões de Magalhães, Op. Cit., cap. II, p. 48: «1.º que nenhuma incompatibilidade há entre tradicionalismo e liberalismo; 2.º que, justamente, a tradição política portuguesa afecta o carácter liberal nas suas origens e em muitas disposições da sua antiga legislação; 3.º que, desde o fim do século XVII, o tradicionalismo representativo foi sufocado pelo absolutismo doutrinário; 4.º que nesse regime se estava de facto em 1820, ao rebentar a nossa primeira revolução liberal; 5.º que essa revolução, em reacção contra o absolutismo, invocou as tradições representativas da velha monarquia; 6.º que o golpe de estado de 1828 não foi uma reacção tradicionalista, mas, sim, uma reacção absolutista; 7.º finalmente, que, em consequência, (...) a Carta, pondo termo ao regime absoluto e restaurando as instituições representativas da Nação, na base das suas antigas classes, sem afectar a supremacia do poder real, era um Código político de feição marcadamente tradicionalista.»);

III – “Organicismo” e individualismo (pp. 49-58. As conclusões de Magalhães, Op. Cit., cap. III, pp. 57-58: «1.º que o individualismo não é incompatível com o chamado organicismo; 2.º que, ao contrário, são reciprocamente dependentes, pois, se não há sociedade sem indivíduos, é numa sociedade organizada que o indivíduo tem mais garantias de segurança, de bem estar e de livre expansão da sua personalidade, ao abrigo e na conformidade das leis; 3.º que a Carta não constituía menos organicamente a sociedade portuguesa do que o fizera o antigo regime; 4.º que o esquema orgânico da Carta só em pormenores acidentais divergia do da Monarquia tradicionalista; 5.º finalmente, que as garantias individuais consignadas na Carta (como em todas as constituições contemporâneas) tendo mesmo algumas delas, como se viu, longas raízes na nossa tradição política, não afectam de forma alguma o carácter tradicionalista que à mesma Carta atribuí.»);

IV – A questão da “legitimidade” (pp. 59-99. As conclusões de Magalhães, Op. Cit., cap. IV, p. 99: «1.º Nem à face do nosso direito tradicional, nem pelo facto de haver cingido a coroa imperial do Brasil antes de ser Rei de Portugal, D. Pedro IV havia perdido os seus direitos ao trono português; 2.º Esses direitos foram-lhe desde logo reconhecidos pela Regência e todos os poderes do Estado, pelas nações estrangeiras, a cujos representantes se deram, para esse efeito, novas credenciais, e pelo seu próprio irmão em muitos e expressivos documentos e actos oficiais (ver aqui); 3.º Os movimentos favoráveis a D. Miguel foram puros actos de rebelião militar, que o próprio Infante procurou evitar e repetida e formalmente condenou; 4.º A questão da legitimidade dinástica não foi mais do que uma capa da reacção absolutista: se D. Pedro não outorgasse a Carta, ninguém lhe contestava os direitos à Coroa.»);

V – A Carta “Anglo-Brasileira” (pp. 100-111);

VI – Da natureza e acção dos poderes do Estado no sistema e vigência da Carta (pp. 112-150);

VII – A Carta, a Igreja e a Maçonaria (pp. 151-169);

VIII – O terror “branco” e o terror “azul e branco” (pp. 170-206);

IX – Respigo (pp. 207-246, com “A promessa constitucional da vilafrancada”, pp. 207-220, “O sr. dr. Beirão democrata e liberal”, pp. 220-224, “A Carta e os Forais”, pp. 225-226, “As velhas Cortes e as Cortes da Carta”, pp. 226-231, “A Carta e os estrangeiros”, pp. 231-236, “Os partidos políticos do constitucionalismo”, pp. 236-241, “O carácter do parlamento na monarquia constitucional”, pp. 241-244);

X – Conclusão (pp. 247-285, assinada a 08.12.1926); Post scriptum (pp. 286-299, assinado 29.12.1927).

A tese central do livro é que a Carta consagrou todos os aspectos essenciais da monarquia tradicional, modernizando o sistema político, e que aquilo que os tradicionalistas defendem se baseia numa visão distorcida do passado, que incompatibiliza coisas compatíveis, nomeadamente a monarquia legítima, as liberdades individuais e o sistema representativo parlamentar.

Para a visão crítica do L&LP em relação a outro livro de Luís de Magalhães, A Crise Monarchica (1934), ver Luís de Magalhães e a sucessão de D. Manuel II.