quarta-feira, junho 06, 2007

GOD SAVE THE QUEEN



Ver outra versão:


E um "encore" que vem a propósito I Vow To Thee My Country...

I Vow To Thee My Country

A propósito do Jubileu da Rainha de Inglaterra, uma homenagem às falecida Rainha Mãe e Princesa Margarida. Na segunda parte, imagens do reinado de Isabel II.

Em baixo, outra versão do mesmo hino (das exéquias de Diana, princesa de Gales, em 1997), com órgão em versão litúrgica - fenómeno de país com igreja nacional e de Estado.

terça-feira, junho 05, 2007

O Eça mais lúcido...


Eça de Queirós, o magnífico ficcionista, deu-nos leituras ácidas do Portugal do seu tempo, contribuindo (ele sabia-o) para o clima de opinião que aqui lamenta. Neste excerto do seu conto A Catástrofe (Lisboa sob ocupação estrangeira no advento do século XX), usa a ficção para exprimir a maior lucidez que lhe veio nos seus últimos anos. Lê-se num fôlego e permite pensar que, de certo modo, essa "ocupação" veio, toda portuguesa no entanto, e com... a república de 1910!

Mas de que vale agora pensar no que se podia ter feito!.. O nosso grande mal foi o abatimento, a inércia em que tinham caído as almas! Houve ainda algum tempo em que se atribuiu todo o mal ao Governo! Acusação grotesca que ninguém hoje ousaria repetir.

Os Governos! Podiam ter criado, é certo, mais artilharia, mais ambulâncias; mas o que eles não podiam criar era uma alma enérgica ao País! Tínhamos caído numa indiferença, num cepticismo imbecil, num desdém de toda a ideia, numa repugnância de todo o esforço, numa anulação de toda a vontade... Estávamos caquéticos!

O Governo, a Constituição, a própria Carta tão escarnecida, dera-nos tudo o que nos podia dar: uma liberdade ampla. Era ao abrigo dessa liberdade que a Pátria, a massa dos portugueses tinha o dever de tornar o seu País próspero, vivo, forte, digno da independência. O Governo! O País esperava dele aquilo que devia tirar de si mesmo, pedindo ao Governo que fizesse tudo o que lhe competia a ele mesmo fazer!... Queria que o Governo lhe arroteasse as terras, que o Governo criasse a sua indústria, que o Governo escrevesse os seus livros, que o Governo alimentasse os seus filhos, que o Governo erguesse os seus edifícios, que o Governo lhe desse a ideia do seu Deus!

Sempre o Governo! O Governo devia ser o agricultor, o industrial, o comerciante, o filósofo, o sacerdote, o pintor, o arquitecto – tudo! Quando um país abdica assim nas mãos dum governo toda a sua iniciativa, e cruza os braços esperando que a civilização lhe cai feita das secretarias, como a luz lhe vem do Sol, esse país está mal: as almas perdem o vigor, os braços perdem o hábito do trabalho, a consciência perde a regra, o cérebro perde a acção. E como o governo lá está para fazer tudo – o país estira-se ao sol e acomoda-se para dormir. Mas, quando acorda – é como nós acordámos com uma sentinela estrangeira à porta do Arsenal!

Ah! Se nós tivéssemos sabido!

Mas sabemos agora! Esta cidade, hoje, parece outra. Já não é aquela multidão abatida e fúnebre, apinhada no Rossio, nas vésperas da catástrofe. Hoje, vê-se nas atitudes, nos modos, uma decisão. Cada olhar brilha dum fogo contido, mas valente; e os peitos levantam-se como se verdadeiramente contivessem um coração! Já não se vê pela cidade aquela vadiagem torpe: cada um tem a ocupação dum alto dever a cumprir.

As mulheres parecem ter sentido a sua responsabilidade, e são mães, porque têm o dever de preparar cidadãos. Agora trabalhamos. Agora, lemos a nossa história, e as próprias fachadas das casas já não têm aquela feição estúpida de faces sem ideias, porque, agora, por trás da cada vidraça, se pressente uma família unida, organizando-se fortemente.

Por mim, todos os dias levo os meus filhos à janela, tomo-os sobre os joelhos e mostro-lhes a SENTINELA! Mostro-lha, passeando devagar, de guarita em guarita, na sombra que faz o edifício ao cálido sol de Julho e embebo-os do horror, do ódio daquele soldado estrangeiro...

Conto-lhes então os detalhes da invasão, as desgraças, os episódios temerosos, os capítulos sanguinolentos da sinistra história... Depois aponto-lhes o futuro – e faço-lhes desejar ardentemente o dia em que, desta casa que habitam, desta janela, vejam, sobre a terra de Portugal, passear outra vez uma sentinela portuguesa! E, para isso, mostro-lhes o caminho seguro – aquele que nós devíamos ter seguido: trabalhar, crer, e, sendo pequenos pelo território, sermos grandes pela actividade, pela liberdade, pela ciência, pela coragem, pela força de alma... E acostumo-os a amar a Pátria, em vez de a desprezarem, como nós fizéramos outrora.

Como me lembro! íamos para os cafés, para o Grémio, traçar a perna, e entre duas fumaças, dizer indolentemente:
– Isto é uma choldra! Isto está perdido! Isto está aqui, está nas mãos dos outros!...

E em lugar de nos esforçarmos por salvar "isto" pedíamos mais conhaque e partíamos para o lupanar.

Ah! geração covarde, foste bem castigada!...

Mas agora, esta geração nova é doutra gente. Esta já não diz que "isto" está perdido: cala-se e espera; se não está animada, está concentrada...

E depois, nem tudo são tristezas: também temos as nossas festas! E para festa, tudo nos serve: o 1º de Dezembro, a outorga da Carta, o 24 de Julho, qualquer coisa, contando que celebre uma data nacional. Não em público – ainda o não podemos fazer – mas cada um na sua casa, à sua mesa. Nesses dias colocam-se mais flores nos vasos, decora-se o lustre com verduras, põe –se em evidência a linda velha Bandeira, as Quinas de que sorríamos e que hoje nos enternecem – e depois, todos em família cantamos em surdina, para não cha mar a atenção dos espias, o velho hino, o Hino da Carta... E faz-se uma grande saúde a um futuro melhor!

E há uma consolação, uma alegria íntima, em pensar que à mesma hora, por quase todos os prédios da cidade, a geração que se prepara está celebrando, no mistério das suas salas, dum mundo quase religioso, as antigas festas da Pátria!

segunda-feira, junho 04, 2007

"Clairvoyance"


O Magritte preferido...

Espaço 1999

O genérico da 1.ª série (1976), com os resumos visuais dos vários episódios; era a série mais emocionante da televisão, que inspirava depois intermináveis brincadeiras na escola e na rua...

O Chefe Sueco

Este personagem era o meu preferido; talvez por isso nunca tenha adquirido grandes dotes culinários...

Mahnahmuhnah!

O "Muppet Show" (vg. "Marretas") começou a ser visto por cá por volta de 1976 (o ano deste número fantástico), ainda a preto e branco...

sexta-feira, junho 01, 2007

Luís de Magalhães (1859-1935) e o seu livro "Tradicionalismo e Constitucionalismo" (1927)

L. de Magalhães no seu escritório antes de 1910.
Luís Cipriano Coelho de Magalhães era filho de José Estêvão (de Magalhães). Membro do Partido Progressista em 1885 e da Liga Liberal em 1890, foi governador civil de Aveiro no governo de Dias Ferreira em 1892, deputado independente por Vila do Conde em 1897 e de 1899 a 1900 e ministro dos negócios estrangeiros de João Franco, de 19 de Maio de 1906 a 2 de Maio de 1907.

Foi um dos ministros da chamada "Monarquia do Norte" (1919), na sequência da qual esteve preso dois anos. Veio a estar ligado à Causa Monárquica, na qual integrou o pequeno grupo de monárquicos constitucionais que foi afastado de todas as responsabilidades, o que evidenciava o desaparecimento progressivo, naquele meio, quer do ideário liberal quer da lealdade à Carta Constitucional (ver aqui).

Depois do 28 de Maio, apoiou a ditadura como mal menor, embora tenha observado: «quer a Ditadura fazer uma República que os republicanos não querem e quer, por isso, fazê-la com os monárquicos, que não querem a República».

O seu livro Tradicionalismo e Constitucionalismo: Estudos de História e Política Nacional (Porto: Livraria Chardron de Lello & Irmão, 1927, ed. única, 299 p.) é um testemunho vivo do constitucionalismo cartista e da possibilidade real de o conduzir pelo século XX adentro; mostra ainda um monárquico genuinamente liberal, já então idoso e cheio de informações relevantes para todo o século XIX; impressiona a sua atitude equilibrada nas críticas que faz aos falsos tradicionalistas (para ele o cartismo é o verdadeiro tradicionalismo) e no distanciamento que revela dos radicais. Embora mantenha o seu liberalismo político (com uma grande predisposição democrática), Magalhães tem já claramente menos sensibilidade para o liberalismo económico e para o achar interdependente das suas ideias políticas; essa atitude, nada surpreendente num homem da sua geração, é patente nas suas opiniões favoráveis à pauta alfandegária de 1892 e à legislação cerealífera do fim do século XIX (pp. 260-261), bem como à representação corporativa que julgava dever integrar uma reforma da Câmara dos Pares (p. 280).

L. de Magalhães em 1920.
O livro tem uma 1.ª parte («A “Carta”, constituição tradicionalista», pp. 1-24) com um texto publicado na revista Portugália n.º 1 (Novembro 1925) com o intuito de forjar uma base de entendimento dos monárquicos constitucionais com os chamados tradicionalistas; a este texto respondeu Caetano Beirão nos n.º 27-28, 29 e 30 do periódico Acção Realista, a que Magalhães dá a réplica na segunda e maior parte deste livro. Já antes, Magalhães publicara artigos no Correio da Manhã (“Porque restaurámos a Carta em 1919”, pub. 27-28 Fev. 1924) em que explicava o apego à Carta da Junta Governativa do Reino em 1919; a estes artigos responderam, no periódico Serviço d’El-Rei, Alfredo Pimenta e Cerqueira de Vasconcelos, a que Magalhães respondeu na mesma publicação.

Luís de Magalhães foi a figura tutelar da chamada “Monarquia do Norte”, cuja Junta Governativa integrava, com Paiva Couceiro (presidente), Sollari Allegro, Conde de Azevedo, Visconde do Banho e Coronel Silva Ramos – ver Diário da Junta Governativa do Reino de Portugal, n.º 1 (19.01.1919) a n.º 16 (13.02.1919), Porto: J. Pereira da Silva, 1919 e Luiz de Magalhães, Perante o Tribunal e a Nação, Coimbra, 1925.

Luís de Magalhães justificou a última restauração da Carta considerando a República «puro hiato político» e «usurpação violenta», querendo evitar «estabelecer como lei básica da sociedade o arbítrio pessoal dos governantes», ou seja, ainda nas suas palavras, em 1919 era necessário «atar a corda pelas pontas quebradas».

A 2.ª parte de Tradicionalismo e Constitucionalismo (“O tradicionalismo da Carta”) divide-se nos seguintes capítulos:

I – Intróito (pp. 27-33);

II – Tradicionalismo e Liberalismo (pp. 34-48. As conclusões de Magalhães, Op. Cit., cap. II, p. 48: «1.º que nenhuma incompatibilidade há entre tradicionalismo e liberalismo; 2.º que, justamente, a tradição política portuguesa afecta o carácter liberal nas suas origens e em muitas disposições da sua antiga legislação; 3.º que, desde o fim do século XVII, o tradicionalismo representativo foi sufocado pelo absolutismo doutrinário; 4.º que nesse regime se estava de facto em 1820, ao rebentar a nossa primeira revolução liberal; 5.º que essa revolução, em reacção contra o absolutismo, invocou as tradições representativas da velha monarquia; 6.º que o golpe de estado de 1828 não foi uma reacção tradicionalista, mas, sim, uma reacção absolutista; 7.º finalmente, que, em consequência, (...) a Carta, pondo termo ao regime absoluto e restaurando as instituições representativas da Nação, na base das suas antigas classes, sem afectar a supremacia do poder real, era um Código político de feição marcadamente tradicionalista.»);

III – “Organicismo” e individualismo (pp. 49-58. As conclusões de Magalhães, Op. Cit., cap. III, pp. 57-58: «1.º que o individualismo não é incompatível com o chamado organicismo; 2.º que, ao contrário, são reciprocamente dependentes, pois, se não há sociedade sem indivíduos, é numa sociedade organizada que o indivíduo tem mais garantias de segurança, de bem estar e de livre expansão da sua personalidade, ao abrigo e na conformidade das leis; 3.º que a Carta não constituía menos organicamente a sociedade portuguesa do que o fizera o antigo regime; 4.º que o esquema orgânico da Carta só em pormenores acidentais divergia do da Monarquia tradicionalista; 5.º finalmente, que as garantias individuais consignadas na Carta (como em todas as constituições contemporâneas) tendo mesmo algumas delas, como se viu, longas raízes na nossa tradição política, não afectam de forma alguma o carácter tradicionalista que à mesma Carta atribuí.»);

IV – A questão da “legitimidade” (pp. 59-99. As conclusões de Magalhães, Op. Cit., cap. IV, p. 99: «1.º Nem à face do nosso direito tradicional, nem pelo facto de haver cingido a coroa imperial do Brasil antes de ser Rei de Portugal, D. Pedro IV havia perdido os seus direitos ao trono português; 2.º Esses direitos foram-lhe desde logo reconhecidos pela Regência e todos os poderes do Estado, pelas nações estrangeiras, a cujos representantes se deram, para esse efeito, novas credenciais, e pelo seu próprio irmão em muitos e expressivos documentos e actos oficiais (ver aqui); 3.º Os movimentos favoráveis a D. Miguel foram puros actos de rebelião militar, que o próprio Infante procurou evitar e repetida e formalmente condenou; 4.º A questão da legitimidade dinástica não foi mais do que uma capa da reacção absolutista: se D. Pedro não outorgasse a Carta, ninguém lhe contestava os direitos à Coroa.»);

V – A Carta “Anglo-Brasileira” (pp. 100-111);

VI – Da natureza e acção dos poderes do Estado no sistema e vigência da Carta (pp. 112-150);

VII – A Carta, a Igreja e a Maçonaria (pp. 151-169);

VIII – O terror “branco” e o terror “azul e branco” (pp. 170-206);

IX – Respigo (pp. 207-246, com “A promessa constitucional da vilafrancada”, pp. 207-220, “O sr. dr. Beirão democrata e liberal”, pp. 220-224, “A Carta e os Forais”, pp. 225-226, “As velhas Cortes e as Cortes da Carta”, pp. 226-231, “A Carta e os estrangeiros”, pp. 231-236, “Os partidos políticos do constitucionalismo”, pp. 236-241, “O carácter do parlamento na monarquia constitucional”, pp. 241-244);

X – Conclusão (pp. 247-285, assinada a 08.12.1926); Post scriptum (pp. 286-299, assinado 29.12.1927).

A tese central do livro é que a Carta consagrou todos os aspectos essenciais da monarquia tradicional, modernizando o sistema político, e que aquilo que os tradicionalistas defendem se baseia numa visão distorcida do passado, que incompatibiliza coisas compatíveis, nomeadamente a monarquia legítima, as liberdades individuais e o sistema representativo parlamentar.

Para a visão crítica do L&LP em relação a outro livro de Luís de Magalhães, A Crise Monarchica (1934), ver Luís de Magalhães e a sucessão de D. Manuel II.